Tributação de heranças no PLP 108: avanços, mas ainda longe das melhores práticas
Por: Leonardo Roesler
Fonte: Jota Tributario
O parecer do PLP 108/2024 marca uma etapa decisiva da regulamentação da
reforma tributária e impacta diretamente a tributação sobre heranças, doações
e sucessões empresariais. O projeto, relatado no Senado pelo senador Eduardo
Braga (MDB-AM), busca harmonizar normas gerais, padronizar o processo
administrativo e introduzir maior integração entre União, estados e municípios.
Para empresários e famílias empresárias, trata-se de um texto que promete
reduzir litígios, trazer mais previsibilidade e permitir um planejamento
patrimonial mais seguro.
Entre os pontos positivos está a fixação de limites para as multas tributárias,
que passam a ter teto de 100% do valor devido, podendo alcançar 150% apenas
em casos de reincidência. Também foram criadas reduções expressivas quando
o contribuinte demonstra colaboração e transparência com a administração
tributária.
Essa mudança dialoga com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e
corrige distorções de multas desproporcionais que comprometiam a atividade
empresarial. Soma-se a isso a possibilidade de aproveitamento de créditos de
ICMS até 2032, inclusive os chamados créditos extemporâneos, que costumam
ser reconhecidos tardiamente e agora têm maior garantia de utilização.
O texto também traz ganhos institucionais. A criação da Câmara Nacional de
Integração do Contencioso do IBS e da CBS pretende uniformizar
entendimentos e reduzir insegurança jurídica, ainda que a composição
desequilibrada em favor do fisco seja motivo de preocupação.
A previsão de fiscalizações conjuntas, coordenando União, estados e
municípios, pode reduzir a duplicidade de autuações e melhorar a eficiência sem
sobrecarregar empresas. Outro avanço está na institucionalização das consultas
formais sobre IBS e CBS, vinculando a administração às respostas dadas e
permitindo que contribuintes obtenham segurança prévia sobre operações.
No campo do ITCMD, o projeto corrige distorções importantes. Foram
ampliadas hipóteses de isenção, afastando a incidência em previdência privada,
seguros e benefícios correlatos, em sintonia com decisão recente do STF. O
parecer também exclui dispositivos que poderiam levar à tributação de planos
como PGBL e VGBL, preservando a coerência constitucional. Essas alterações
oferecem segurança a famílias e herdeiros, evitando onerar instrumentos
legítimos de planejamento patrimonial.
No entanto, há fragilidades evidentes. O texto não resolve a questão da
bitributação internacional, mantendo empresários com patrimônio no exterior
vulneráveis a cobranças simultâneas em diferentes jurisdições. A ausência de
um teto nacional para alíquotas do ITCMD abre espaço para aumentos
excessivos por parte dos estados, risco que já se observa com alíquotas em torno
de 8%. Sem balizas federais, pode haver distorções competitivas que afetam a
atratividade do país para investimentos e a continuidade de empresas familiares.
As críticas também recaem sobre a composição da nova Câmara Nacional de
Integração, que concede oito assentos ao fisco contra apenas quatro aos
contribuintes, criando um desequilíbrio que compromete a paridade processual.
Além disso, a vinculação obrigatória de plataformas digitais e meios de
pagamento ao recolhimento tributário, embora moderna, precisa ser aplicada
com cautela, para não transferir ônus indevido a agentes que não são os
responsáveis diretos pelo fato gerador.
No cenário internacional, o Brasil pode se inspirar em boas práticas. Nos
Estados Unidos, o imposto sucessório é federal e incide apenas sobre grandes
patrimônios, com elevadas isenções que preservam a sucessão de pequenas e
médias empresas. Na Alemanha, herdeiros de empresas familiares recebem
benefícios fiscais desde que mantenham a atividade produtiva por um período
determinado, protegendo empregos e a continuidade dos negócios. O PLP 108
não trouxe medidas semelhantes, perdendo a oportunidade de vincular
incentivos à preservação de empresas e ao desenvolvimento econômico.
Portanto, embora o projeto avance em simplificação, digitalização de
procedimentos e garantia de direitos, ainda carece de ajustes para se tornar um
instrumento de política econômica mais eficiente.
O PLP 108, ao disciplinar a tributação sobre heranças e sucessões, deveria
combinar arrecadação com estímulos à competitividade e à preservação de
negócios familiares. Ao não fazê-lo, corre o risco de reforçar a percepção de
que o ITCMD permanece essencialmente arrecadatório. A incorporação de
limites nacionais de alíquotas, mecanismos de prevenção à bitributação
internacional e incentivos vinculados à manutenção de atividades empresariais
seriam medidas capazes de alinhar o Brasil às melhores práticas mundiais.
Com os ajustes necessários, a proposta pode deixar de ser apenas mais uma
etapa burocrática da reforma e se transformar em instrumento de justiça
tributária e política de desenvolvimento. O momento é de aproveitar a
oportunidade para modernizar de forma integral a tributação sucessória no país,
oferecendo previsibilidade, equilíbrio e segurança tanto para famílias
empresárias quanto para investidores.